A marca de todas as tristezas

Foi o dia mais triste de todos os dias tristes da minha vida. Porque foi o dia em que vi a verdade e ela se afundou em mim, como um barco se afunda num pântano, em lenta agonia. Via pela minha janela o mar, uma baleia solitária ao fundo, imensa, a bater ritmicamente na água. A cada mergulho suspendia a minha respiração na incerteza de a voltar a ver. Tinha um livro no meu regaço, letras como pernas de insectos sem sentido, empoleiradas umas nas outras. E eu lia, não sei bem o que lia, senão que os meus olhos se moviam, e o meu peito se erguia ao respirar, e que o meu coração batia e me mantinha quente. A tristeza imobilizava o meu centro de gravidade, como se estivesse suspensa por cima do mundo. Fomos comer. Sentei-me à mesa e alimentei a minha náusea de tudo. E uma estranheza me acompanhou todos os dias, a partir desse dia. Como se algo estivesse fora do sítio ou como quando se esquecem as chaves de casa do lado de fora. Eu estava do lado de fora de mim, na margem errada de nós. E sabia-o. E angustiava-me com esse conhecimento, como um prenúncio de tudo o que viria depois: a morte, a falta, a ausência.
Hoje recordo esse dia como a marca de todas as tristezas. Uma tristeza como que um luto. A morte de um sonho, a morte de uma fé. Dias como este são para recordar o que de mim sobreviveu depois. E, não obstante esse dia, outros dias vieram sem a sua marca indelével. Quase felizes. Mesmo sem janelas com uma vista sobre o mar.

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