Caminhar fora das linhas

Estou a tentar ser corajosa. Todos os dias, recuar um pouco para apanhar os pedaços de mim, que ficaram logo atrás, arrancados à força de palavras, de gestos, de viragens bruscas de direção, varridos pela força de mil ondas ou afastados pela brisa gentil. Estou a tentar ser corajosa, aguentar mais um pouco, dar mais um passo e mais um. Tentar, tentando ver melhor na bruma da incerteza, porque a verdade mora no cimo da montanha e os dias são sempre de nevoeiro. Estou a tentar ser corajosa, mesmo quando demoro a levantar-me, mesmo quando o pensamento voa raso, com uma asa partida. Estou a tentar, estou a tentar… e, às vezes, não consigo. E apetece-me ficar quieta, ser aquela canção triste no rádio, embrulhar a Alma numa manta pesada de inverno, e não tentar nada, não ser nada, nem desejar nada. Mas não pode ser. E então volto a tentar. Vou ser corajosa mais um bocadinho, vou esperar pela coragem com bravura, ela não tarda a aparecer. E então ela vem, um raio de sol, um rosto, um sorriso. Dou-lhe mão e ela vem comigo, somos da mesma altura, eu e a Coragem. A mesma medida impossível da esperança.