Dar a mão ao medo e saltar o abismo

Há três anos, estava a uma longa e misteriosa noite de reencontrar um grande amor. O meu filho veio, finalmente, ao encontro deste mundo. Ainda hoje e para sempre, me parece que este amor não é deste mundo, este Amor original que irrompeu no peito com o Terror e a Maravilha do início dos Tempos. Longo Caminho, longas penas, longo o encantamento desta viagem juntos. Sinto que como ser humano, como mulher, aprendi tanto que os recentes cabelos brancos não o expressam adequadamente. Porventura um rosto de mil rugas e uma cabeça feita de fios de neve fossem mais certos…

Aprendi tanto porque amei; doeu muito e, por vezes, uma felicidade plena calou todos os murmúrios. Sou feliz, tão feliz, sempre que lhe acaricio os caracóis lambidos pelo sol e ouço o cristalino das suas gargalhadas.

E então… talvez não devesse hoje e ontem, encher-me de tristeza, de dúvidas e dessa velha ave de rapina, a ansiedade, com a sua mão descarnada sobre o meu coração. São estes tempos de medo e de doença, são estas gentes pequenas, é a mudança como uma onda gigante sobre a praia indefesa. É talvez o orgulho, as velhas roupas que teimamos em não despir, o medo de nos vermos nus sem reconhecer quem somos.

E é tudo isto, e penso que já não devia sentir-me assim, é o desejo de que as coisas sejam de um certo modo e nunca o são. O rio que corre livre sem escolher as margens… E a culpa, imensa como um céu estrelado sobre a cabeça.

E aquela sensação como um lento afogamento. Ai meu Deus. Então lembro que sou uma criança a aprender. Sempre o serei. E se voltei a este sentir, talvez tenha de mudar algo e aprender novo. Se dói? Oh mas que dor escarpada, que alfinete neste músculo dorido. A dor de viver, viver de verdade e acordada neste mundo sonâmbulo.

E então lembro da hora vespertina em que o meu filho nasceu de mim, a força feita grito que me fez sentir uma montanha gigante a parir uma fonte de água. A força incrível que cavalguei, potro selvagem à solta, no topo do mundo a expelir a vida em soluços. O amor, a glória e o medo. E pensei: é assim que nascem estrelas.

Talvez também um novo mundo esteja a nascer, para mim, para todos. O antigo não serve mais, e o novo ainda não sabe habitar neste mundo em transição. Vou dar a mão ao medo e lembrar-me que, quando o meu filho nasceu, também senti medo. Mas senti primeiro amor e a força que move montanhas. Não há obstáculo demasiado alto ou longo para quem ama assim.

E é esta a nossa força, a dos que amam demais – nunca desistir.

Os monstros precisam de amigos

Olha o outro do alto de si mesmo. O outro que te fere, que te afasta, que te enfraquece. Fá-lo presente diante de ti, e olha-o longamente. Então, permite que a raiva, a dor e o resssentimento, aflorem. Mas não te prendas neste olhar.

Respira. Espera um pouco e olha de novo. E diz,

Esta pessoa é um ser humano, tal como eu.

Esta pessoa nasceu nua, tal como eu.

Esta pessoa tem fome e sede, tal como eu.

Esta pessoa já experimentou a dor física, tal como eu.

Esta pessoa já sofreu mais do que pensou suportar, tal como eu.

Esta pessoa sente-se só e inadequada, por vezes, tal como eu.

Esta pessoa já tentou falar, e foi silenciada, tal como eu.

Esta pessoa merece gentileza e empatia, mesmo quando não merece, tal como eu.

Esta pessoa sou eu, por vezes, e tal como eu, precisa de perdão.

Este Outro que me fere, por vezes, sou eu. E eu mereço compaixão integral.

Este monstro, cá dentro e lá fora, precisa do meu amor.

Envia-lhe o teu amor, seja com um sopro, um pensamento ou um desejo.

E fica em paz.