A tristeza discorre do Ser como uma pequena nascente água fresca, que irrompe a terra num diminuto mas audaz movimento. Ninguém sabe desta minha tristeza; tal como ninguém conhece a pequena nascente de água, só o solo mais próximo e as plantas mais rasteiras sabem da sua presença e do seu efeito. Só elas bebem do seu sentimento melodioso, do seu correr ininterrupto, que inunda, tímido, o incauto coração. A tristeza de todas as coisas abortadas, de todas coisas que eram para Ser e morreram antes de florescer em abundância. A dor do que não foi, mas sonhámos ser, imprime na Alma como a pequena corrente no solo – devagar e inexoravelmente – e deixa uma fenda na terra. Vista do céu, esta tristeza, nada mais é, do que um poça de água insalobra, enlameada e com com folhas mortas à superfície. O verdadeiro milagre, é que se deixarem correr a tristeza livremente, como um fluxo de lágrimas insignificante, ao fim de algum tempo, o solo irá multiplicar-se em verde e em vida. E alma voltará a brilhar, limpa como a natureza depois da chuva. O segredo é deixar correr a água; o milagre é deixar morrer a tristeza. A força está em permitir-se deixar partir, para ficar o que um dia irá fluir como a maior de todas as cascatas.
Mês: Dezembro 2016
Haverá flores
Houve um tempo de palavras interditas, depois vieram as tempestades violentas. E depois, os grandes silêncios, uma paz que arrastava os podres segredos do coração. Houve um tempo para partir, para cortar e rasgar fundo, até quase nada restar. Houve um tempo assim, sem nada a suportar o corpo, apenas fragmentos de uma Alma que não era mais do que um fantasma em esquinas poeirentas e em ruas sem saída. Foi esse o tempo para matar o que nunca deveria morrer, para fazer o luto do amor de pés de barro, de altares vazios. Foi assim, um vaguear sem rumo, como uma borboleta negra, ébria, em torno de uma lâmpada fosca. E depois houve o tempo de aprender, de descobrir que havia uma Alma ancestral que jamais se perde, que já atravessou o véu do tempo para viver debaixo deste sol. Há um corpo para redescobrir como seu, como se de repente tivesse de fazer o reconhecimento aos limites da carne. E, assim, o fantasma se ergue sobre duas patas. Havia braços para abraçar e pernas para caminhar. E havia caminho, e pedras para afastar. E havia amor, mesmo nos escuros lugares improváveis, onde reina a dor. Há sempre uma semente pronta a despontar, há sempre uma flor para contemplar. E vai ficar tudo bem, porque esta Alma cansada, atravessou o mar de fogo e o deserto de gelo, e bebeu a sua dor e comeu o seu desespero. E aprendeu, e disse, jamais voltarei aqui. E vai continuar. E vai acreditar. O melhor está ainda por vir.