Aos Guerreiros de Si Mesmos

A todos os bravos que olham para dentro,
Sem saberem se é um poço sem fundo ou um deserto sem fim.

A todos os guerreiros que mergulham em si,
E se debatem com a dor e a solidão.

A todos os grandes que fecham os olhos,
Quando caminham na beira do abismo.

A todos os errantes que continuam a tentar,
Fazendo estradas no ar e caminhando sobre as águas.

Continuem, continuem, continuem.
O prémio é saber esperar como um sábio sobre o tronco,
Conhecendo a inevitabilidade do amor,
A necessidade do perdão,
A felicidade do sacrifício,
A alegria de estar vivo.

E sorrir, com brilho de terem conquistado
A mais bela armadura,
As vestes mais brancas,
A melhor versão de si mesmos.

Ser o melhor que se pode ser. E ser alto, e ser inteiro, e ser grande.
São eternos os que travam o Bom Combate dentro de si.

 

Memória póstuma

Folhas de papel branco, espalhadas em cima da cama.
Memórias a tinta indecifrável, que mancham os lençóis,
A dor fixa na pele, como tatuagens a negro.
E ao fim do dia, sou eu e a minha voz aqui dentro.
Houve um tempo em que tu eras este céu, pontos luminosos e inatingíveis,
Na minha noite escura, riscada com a luz do meu amor.
Ensinei-te sobre as montanhas.
Ensinei-te sobre o segredo da noz macia, sob a dura casca.
Ensinei-te sobre tudo e esqueci-me de mim.
De aprender sobre a minha montanha, sobre o meu mar.

Como ensinar as montanhas a crescerem para a terra?
Como ensinar o sol a nascer sobre o mar?
Não consigo fazer-te amar-me. Tal como não se consegue ensinar uma borboleta a nadar.
Vou parar de fazer os dias andar ao contrário.
Vou contar a minha história tal como ela é:
Com as montanhas viradas para o céu,
E o sol a pôr-se do lado do mar.

E serei eu. Assim, da minha maneira simples, de ser o que se é.

A medida da felicidade

Todos precisamos de nos medir, pelo menos uma vez na vida. Enfrentar os nossos limites e os nossos medos. Continuar, mesmo sem fé, mesmo sem forças. Precisamos de nos sentir fortes, mesmo quando as ondas nos devolvem com violência à praia de onde começámos.
Precisamos de ser a bravura que nos deixa ir, arriscando tudo, mesmo na mais remota possibilidade de sucesso. E assim encontrarmo-nos, pelo menos uma vez, na mais anciã das condições humanas, nus, com as mãos estendidas e a cabeça descoberta. Nesse momento, à chuva ou no deserto, talvez o mais difícil de tudo, seja compreender que somos amados, desde sempre, que existirmos é um acto de amor. Compreender isto, é perdoar, é ver mais longe e em claro, como se um clarão de luz nos inundasse. É ser alegre como uma criança. É aceitar. É ser feliz, com o tipo de felicidade que perdura: a certeza íntima que estamos no caminho certo.

How to disappear completely

Ali, ao longe, não sou eu.
Eu atravesso paredes de vidro. Eu flutuo no lago pantanoso.
Eu apanho estrelas cadentes e vejo-as desvanecer na palma da minha mão.
Eu sorrio, mesmo através de mil véus de tristeza.
Aqui, bem perto, não sou eu.
Não sou eu calado, parado no fim do dia, com o corpo dado ao frio ou ao calor.
Não sou eu, de gestos inúteis, com o zumbido dos insectos a dardejarem as pálpebras, os pássaros ao longe, o restolho destes dias de vazio.
Eu amo, eu sinto, eu desejo.
Não sou eu, desta vez, neste lago de águas paradas.
Serei eu amanhã, a engolir a fruta podre na esperança do coração cheio de sumo.
Serei eu amanhã, a sentir o peso da desilusão que esmaga os passos e a correr, atrás do vento.
Serei eu, amanhã, talvez. Como ontem o era. Como hoje me consumo tentando ser.