Nas vésperas do meu aniversário, faço as contas à vida. Dedilho as contas coloridas das alegrias: as batatas fritas da minha avó, os fins de tarde na praia com a minha mãe, os gelados branquinhos que lambíamos gulosos das mãos, aquela brisa salgada que limpava a poeira da semana. E aquelas vezes que cantávamos bem alto, dentro de carro e de vidros abertos… a alma a rir a bandeiras despregadas. E os beijos inocentes, e os abraços sinceros. E o silêncio da conquista sofrida, vestida de branco e de amarelo. Desfio, então, as contas pequeninas das tristezas, a solidão dos números primos, os cantos da vergonha de quem é diferente, a ansiedade feita de peixinho dentro de aquário. Desato os nós das desilusões e das mágoas… a maior de todas, o amor morto como um cadáver que demora a tornar-se pó. E chego ao verão desta volta ao sol, à paz tímida do estio, à verdade que mora serena no peito, como um pássaro ferido que descansa no galho nu. Chego ao terno fio da reconciliação, do fecho sereno de quem afinal aprende que nada verdadeiramente morre, apenas se renova. Porque às voltas com a vida e descubro o círculo perfeito. Torno-me redonda e nascemos um Planeta Maior, nós os três. O calor estival da minha vida atinge-me com a abundância de tudo, a fruta carnuda a pender de plena felicidade, nas árvores, os sumos escorrem como seiva doce… é a natureza a fazer amor com alma. E o meu filho, e o meu amor, e a felicidade aos borbotões, quando vou buscá-lo ao fim do dia, e a luz dourada recorta-nos a silhueta. São os seus caracóis dourados que refulgem como ouro fino, é a felicidade a cantar no meu coração, e é insofismável este sentimento, sou feliz e isso basta-me. Apenas assim.
Desfio a minha vida e a cada avanço, agradeço estar viva. Vale a pena as incontáveis penas, para este privilégio de estar aqui. Sofrendo, aprendendo, e voltando a contar tudo outra vez.
Até amanhã, companheiros do Bom Combate.