O caminho do meio

Vê: há sempre um outro caminho. Um que não seja tão sinuoso, ou tão direito.

Escolhe: foge das margens e navega ao centro, contornando as pedras com gentileza.

Arrisca um pouco – mas não te abandones no nada nem abraces o tudo.

Eu sei: é difícil, extraordinariamente difícil.

Por vezes, tantas vezes, é a confusão que te faz disparar em todas as direções.

Porque queres passar incólume e, acima de tudo, não ferir ninguém.

Mas como caminhar sem pegadas, como permanecer ao sol sem fazer sombra?

Viver é ferir e ser ferido, é tocar e deixar marca, umas passam breve, outras são longas.

É assim. A sabedoria está em persistir, aceitar, deixar fluir e escolher, aqui e ali, o caminho do meio…

Mergulho profundo

Vezes sem conta escrevi sobre o que há de nós dentro da casca, o que nos anima, afinal, a matéria de que somos feitos. Só que não é matéria, é energia pura, é um fragmento do pó das estrelas, um infinitésimo do Tempo e do Espaço primordiais.

Longos são os dias de dor, de raiva, de felicidade, de paixão ou de graça.

Larga banda de pensamento, orientada para tudo o que move no espaço, pequeno ou grande, longo ou curto, som ou ruído.

Mas é isto que somos, é isto que nos cola a alma à existência? Eu não sou o que sinto. Eu sou um palco maior, do qual só vislumbro o que a minha vista alcança, daqui, deste cantinho escuro que sou eu, cheio de sombra e de dúvida. Eu sou o Palco Maior onde tudo acontece, mas nada permanece, o palco vazio e silencioso, como um deserto frio sob o luar. Se pudesse sentir o palco aqui dentro, a sua imensidão, a serenidade apoderar-se-ia desta mente inquieta. E aí, começaria a paz das coisas que, apenas, o são. Nesta consciência maior, é como ter a grande abóbada celeste sobre as cabeças, o infinito cintilante pairando no Alto, a certeza de se estar no lugar certo, no tempo certo, de que tudo está bem no Universo.
É este mergulho que tem de ser feito. Mergulhar na rocha profunda, passando as camadas de sedimentos, pensamentos e sentimentos como formigas, como zumbido permanente de mil pássaros. Mergulhar fundo, deixando para trás o que pesa, o que dói, o insuportável e o inesquecível. Chegar ao magma quente da terra, à agua cálida do útero materno. Regressar à origem, onde somos quietude e paz, onde a morte é apenas uma passagem e o eterno somos nós. Aqui, só Amor existe, sem laços nem saudade. Aqui não há fronteiras, não há diferenças entre o o Eu e o Tu. Somos Nós. Somos deuses e regressámos, finalmente, a Casa.