Naquele tempo em que deambulávamos nas ruelas de areia grossa, seixos redondos polidos pelos elementos, algumas cerejas pelo chão, carnudas e vermelhas de sangue, que alguém deixou para trás. Os nossos pés hesitantes acompanhando os teus intrépidos passos, pequeninos decalques no solo, como passos de passarinho a aprender a voar… Esmagavas as cerejas com paixão, apreendendo a fenda doce como se quebravam, o sumo escarlate sujava o chão sedento de pó. E nós íamos como borboletas, pisando a felicidade recém descoberta, o medo do abismo que espreita a cada passo, obliterado pela cegueira do nosso amor, por ti, pelas árvores, pela vida que corre nas nossas veias. A alegria de estar vivo percorre-nos como um frémito, que se ouve como a água turbulenta ao longe, a cascata violenta que desagua num plácido lago. Porque a nossa plenitude é um muro onde tudo o que dói se quebra e se esmaece. Tudo o que é tempestade, rebate na fortaleza deste querer tanto, deste amar sem medida, nesta surpresa absoluta de nos sabermos vivos e ligados. A tua inocência acorda a criança alva e pura que ainda mora aqui dentro. Num sopro íntimo, pedimos a Deus que te guarde para sempre… oramos para que a lembrança deste dia seja talismã para o infortúnio. A força para atravessar os dias cinzentos, estará sempre aqui, neste tímido dia, em que fomos os três esmagar cerejas, cobrir os teus passos de amor. Descobrir-nos então sob este manto de estrelas brilhantes… e sorrir até ao infinito.