Sou transparente, e não sei ser de outra maneira, falar de outra maneira, sentir de outra maneira, senão desta forma em que me exponho no palco solitário de mim, mas sem querer ouvir nenhum aplauso, nenhum aceno. Sou transparente como se respira ou se suspira, assim, naturalmente, sem se dar conta. Muitos me receitam o silêncio. Outros a reserva. Alguns por compaixão e muitos por pudor da dor do outro. Pois alguns se sustentam no parapeito da sua janela, e contemplam a minha transparência para dela retirar tudo, relatar todas as histórias, todos os acontecimentos. São como vampiros que se alimentam da verdade dos outros, sem jamais enfrentar a sua verdade. Sou transparente e é verdade que isso é natural em mim. E muitas vezes queria ser opaca e diferente. Mas a transparência é corajosa, é clarividente. Porque vejo a verdade em mim, a experimento sem pudor, de peito aberto, na emboscada, por vezes consigo chegar aonde outros não chegam, na sua escuridão, na sua elegância constrita, encerrada em si mesma. Este ser transparente é achar-se nu na rua mais percorrida do mundo, em plena luz do dia. É ser-se muitas vezes triste, ferido onde mais dói, quando não vemos de onde veio o golpe. A glória da transparência é ser-se livre, na mais fechada das prisões, o mundo.