Lavar o meu amor como se lava as montanhas, com a chuva que derrete a neve dos picos, numa avalanche branca que arrasta os cadáveres do tempo. Lavar o meu amor até à sua forma mais pura, mais limpa, mais original. Lavar até ao íntimo, deixar que tudo se renove por dentro e não mais sirva o que está por fora. Há uma estranheza em voltar aos lugares aonde já se foi feliz e onde agora tudo está vazio. É uma pequena tristeza, uma pequena morte. É como tentar vestir uma roupa que já não serve ou que está velha. Quando lavamos a montanha de nós mesmos, escalamos o seu cume e começamos a descer, nunca mais seremos os mesmos de outrora. E isso também é bom. É uma promessa. Mudamos de pele e abandonamos o casulo para sempre. Começo agora a pintar as montanhas com as minhas cores. É bom chegar a este lugar, mesmo sabendo que não poderei ficar. Chegar à montanha é compreender que esta é apenas o primeiro monte da serra. Há que continuar a caminhar.