Depois de atravessar o mar vermelho, cansada, ferida e traída, depois de rasgar a água à conta dos meus braços e pernas, do meu corpo marcado pela desilusão, com as histórias de encantar aniquiladas pela verdade, absoluta, levantada do chão das mentiras, do peso do tempo imenso em ilusões, ergui-me a custo e comecei a caminhar. Agora, inteira, eu ocupo todos os espaços em mim, mesmo as caves e os sótãos do passado, mesmo os caixotes como túmulos do amor amordaçado, do silêncio de lágrimas, do gesto interrompido. Eu ocupo os meus espaços, a minha consciência em expansão, como um universo de possibilidades, de remotos milagres e de minúsculos prodígios. Estou exactamente onde deveria estar, teço a minha história e não deixo ninguém escrevê-la por mim.
Libertei-me do medo.
Medo da solidão, da diferença, da dor, da morte e do tempo. Posso sofrer, mas jamais me detenho nos nãos e nos porquês. Continuo, com a certeza de que tenho de usar o que me cabe, a cada momento, e criar o melhor de mim mesma.
Liberto-me do medo e não me imobilizo mais sobre o que não foi e o que não será.
A certeza de que o agora e o aqui está sempre certo, liberta-me para viver… E assim nascem estrelas de buracos negros.
Pássaros feridos poderão sempre voar.