Quem era eu, quem eras tu? Senão um para o outro, naquele tempo de minutos intermináveis. Nenhum ruído, nenhum movimento. Só os dois, o mundo vagamente presente, podia ser mesmo o universo, o seu eco ao longe, como uma explosão distante. Um cântico secreto que só nós entoávamos, em uníssono, como se fôssemos únicos, estrelas cadentes que, numa impossibilidade cósmica, caíam devagarinho e jamais se desintegravam. As coisas do mundo aconteciam-nos apenas para nos aproximar dos momentos em que, juntos, ouvimos o pulsar do nosso amor a nascer. Pensei: nasci para isto, eu, que estava à espera há tanto, demasiado tempo. Mas nunca se espera demasiado para este amor. E era meu, e pensei ser nosso. E talvez fosse. Nunca podemos provar o passado senão no exato momento em que acontece. A minha memória retém-no, mas envolve-o numa teia de deslumbramentos e de desilusões. Acrescento, retiro aqui e ali, estou certa. Mas eu lembro-me. E há certezas íntimas que duram para sempre. Como rochedos cá dentro. E agora, dói-me cada lembrança. Às vezes, dói com tanta intensidade, que lamento tudo ter acontecido. Mas não há maior inutilidade do que lamentar o que aconteceu. É lembrar que já fui feliz e aprender com isso. Mesmo com o sofrimento que entretanto veio. É verdadeiramente pecado amar demais.