Amar como os velhinhos

Amei demais. E amei uma quimera louca, uma utopia que vivia aqui dentro. Este monstro do querer ser e não do que se é. Amei este príncipe do nada, que ocupava tudo e que eu criei, com as minhas mãos, com a minha boca, com todo o meu ser dado ao sonho e ao calor dos dias de encanto intermináveis. Amei com a fé dos crentes em primeira viagem, quando as tempestades ainda não balançaram o barco. Amei como quem ama tudo o que nasce e é frágil, com a promessa de conquistar o mundo. Amei com pressa, com a ânsia de conhecer tudo, como um faminto à deriva perante um oásis. Amei tanto, que não poderei amar assim, outra vez. Amei uma mentira pensando ser a verdade mais pura, e proclamei-a como um vencedor perante o vencido, com o saque da batalha às costas e com o brilho da armadura ao sol. Não sabia então que a verdade é uma certeza íntima que fala baixinho, um misterioso sentir de liberdade, como um pássaro que voa como louco em cativeiro. A liberdade é estar bem cá dentro, com esta verdade que faz o coração bater mais leve e mais firme. Agora vou amar devagarinho, como quem ama as coisas difíceis e velhas, cheias de manias. Amar como os velhinhos, vendo tudo mas pensando só metade, deixando a história desenrolar-se a si própria. Amarei como quem espera a sucessão das primaveras, numa inevitabilidade paciente. Amar com a liberdade a clamar-me no peito, repetindo o meu nome baixinho, para nunca esquecer quem sou. Agora é a vez do amor dos velhos, da paz no coração, porque o amor dos jovens morreu na guerra.

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