Há muito que se pode dizer sobre a dor. A dor como uma onda que vem de mansinho, uma atrás da outra, sem dar tempo da areia secar, da pele recuperar do sal incrustado, que esgravata a dor num suplício infindável. A dor como uma tempestade, que se abate sem dar tempo para respirar, impregnando tudo com uma humidade de gelo, cegando os olhos numa cortina branca de água. A dor como o último canto, do último espécime dos pássaros cantores, que se empala no mais fino dos ramos, antes que lhe morra a voz. Não conhece a verdadeira dor quem não amou na mesma medida, desmesurada e perdidamente. Só conhece a dor quem amou tanto, quem deixou que o seu amor ocupasse todos espaços e todos tempos, até se consumir em desilusão. Neste mundo de paradoxos, não é possível conhecer a verdade, sem arriscar tudo por ela. Arriscar o amor e, depois, experimentar a dor. Tão alto e tão longo, assim é o esquecimento. Às vezes, quando pensamos ter resumido a dor a um murmúrio quase habitual, algo nos lembra aqueles dias de total cinzento no céu e na Alma e, então, dói de novo, mas é uma dor diferente. Porque agora, sei que sobrevivi a tudo isto, sobrevivi a mim mesma, doente e ferida como nunca, e lutei e esgravatei a poeira dos meus sonhos vencidos, mordi e tatuei a negro e a vermelho invisível na Alma e na pele, e vivi até ver este dia, em que sinto que sou tão mais do que soma de tudo, em que, sedenta e faminta, bebi da minha dor e engoli a minha raiva. Sou hoje um pássaro ferido que levantou voo.