Eu sou a Árvore

Hoje vi uma árvore de aloe vera enorme, crescida em todo o seu esplendor, na plenitude das suas possibilidades. Pensei como, erradamente, via o Aloe Vera como um cacto robusto de jardim, orgulhoso mas pequeno. E afinal, como cresceu, sem que lhe emasculassem a força viril, sem que lhe aprisionassem a semente vital ou lhe limitassem os movimentos. Ou mesmo, tendo ele próprio tomado conhecimento da sua verdadeira natureza, ousasse ele crescer, estendendo as suas cores, a sua robustez, o seu desafio à morte, à mediocridade e à escassez, debaixo do céu estrelado ou do sol ardente.

Quantos de nós acabam por ser arbusto de jardim, quando, cá dentro, somos árvores emancipadas de força, de altura que rasga o céu e aponta aos astros. Quantos de nós negam em si, as suas possibilidades infinitas, deixando que determinem os outros e nós mesmos, ilusórios limites de espaço, de propósito, de capacidade. Somos nós que deixamos ou que nos fazemos pequenos. Somos nós que abortamos estrelas, que não acreditamos que cada um, terá afinal, uma super nova para nascer.
Olhemos para nós como possibilidades… Como sementes lançadas ao vento, prontas a serem acolhidas, nutridas ou, desgraçadamente, abafadas em pedras, soterradas em terra rala, asfixiadas numa sede e numa fome nunca saciadas.
Sejamos o que podemos ser, em toda a medida.
Somos um sonho que se ergue em duas patas.
Que o deslumbramento não acabe nunca.

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Dar a mão ao medo e saltar o abismo

Há três anos, estava a uma longa e misteriosa noite de reencontrar um grande amor. O meu filho veio, finalmente, ao encontro deste mundo. Ainda hoje e para sempre, me parece que este amor não é deste mundo, este Amor original que irrompeu no peito com o Terror e a Maravilha do início dos Tempos. Longo Caminho, longas penas, longo o encantamento desta viagem juntos. Sinto que como ser humano, como mulher, aprendi tanto que os recentes cabelos brancos não o expressam adequadamente. Porventura um rosto de mil rugas e uma cabeça feita de fios de neve fossem mais certos…

Aprendi tanto porque amei; doeu muito e, por vezes, uma felicidade plena calou todos os murmúrios. Sou feliz, tão feliz, sempre que lhe acaricio os caracóis lambidos pelo sol e ouço o cristalino das suas gargalhadas.

E então… talvez não devesse hoje e ontem, encher-me de tristeza, de dúvidas e dessa velha ave de rapina, a ansiedade, com a sua mão descarnada sobre o meu coração. São estes tempos de medo e de doença, são estas gentes pequenas, é a mudança como uma onda gigante sobre a praia indefesa. É talvez o orgulho, as velhas roupas que teimamos em não despir, o medo de nos vermos nus sem reconhecer quem somos.

E é tudo isto, e penso que já não devia sentir-me assim, é o desejo de que as coisas sejam de um certo modo e nunca o são. O rio que corre livre sem escolher as margens… E a culpa, imensa como um céu estrelado sobre a cabeça.

E aquela sensação como um lento afogamento. Ai meu Deus. Então lembro que sou uma criança a aprender. Sempre o serei. E se voltei a este sentir, talvez tenha de mudar algo e aprender novo. Se dói? Oh mas que dor escarpada, que alfinete neste músculo dorido. A dor de viver, viver de verdade e acordada neste mundo sonâmbulo.

E então lembro da hora vespertina em que o meu filho nasceu de mim, a força feita grito que me fez sentir uma montanha gigante a parir uma fonte de água. A força incrível que cavalguei, potro selvagem à solta, no topo do mundo a expelir a vida em soluços. O amor, a glória e o medo. E pensei: é assim que nascem estrelas.

Talvez também um novo mundo esteja a nascer, para mim, para todos. O antigo não serve mais, e o novo ainda não sabe habitar neste mundo em transição. Vou dar a mão ao medo e lembrar-me que, quando o meu filho nasceu, também senti medo. Mas senti primeiro amor e a força que move montanhas. Não há obstáculo demasiado alto ou longo para quem ama assim.

E é esta a nossa força, a dos que amam demais – nunca desistir.

Os monstros precisam de amigos

Olha o outro do alto de si mesmo. O outro que te fere, que te afasta, que te enfraquece. Fá-lo presente diante de ti, e olha-o longamente. Então, permite que a raiva, a dor e o resssentimento, aflorem. Mas não te prendas neste olhar.

Respira. Espera um pouco e olha de novo. E diz,

Esta pessoa é um ser humano, tal como eu.

Esta pessoa nasceu nua, tal como eu.

Esta pessoa tem fome e sede, tal como eu.

Esta pessoa já experimentou a dor física, tal como eu.

Esta pessoa já sofreu mais do que pensou suportar, tal como eu.

Esta pessoa sente-se só e inadequada, por vezes, tal como eu.

Esta pessoa já tentou falar, e foi silenciada, tal como eu.

Esta pessoa merece gentileza e empatia, mesmo quando não merece, tal como eu.

Esta pessoa sou eu, por vezes, e tal como eu, precisa de perdão.

Este Outro que me fere, por vezes, sou eu. E eu mereço compaixão integral.

Este monstro, cá dentro e lá fora, precisa do meu amor.

Envia-lhe o teu amor, seja com um sopro, um pensamento ou um desejo.

E fica em paz.

Caçar Borboletas

Dias preguiçosos nas colinas, tantas

Flores amarelas e roxas, em pequeninos

Botões alteando-se ao sol, cheiros

Inebriantes de mata e de liberdade.

Elas voavam felizes, as borboletas

Asas de tantas cores, como as flores,

Como a nossa felicidade, pequenina,

Plena. Perfeita. E breve.

E caçávamos borboletas aos supetões,

Que batiam, frenéticas, as asas

E nas barrigas pulsavam, a compasso

Sem ritmo, sem nome, mas imenso

Em perpétuo movimento.

Ah a felicidade assim, livre

O prazer de senti-la nas mãos,

Para de seguida a soltar, aos elementos

E às outras coisas do mundo natural.

Assim devia ser tudo, a felicidade

Como as borboletas.

Eu + Mundo = 1

Eu sou a Terra. A terra não é minha.

A terra nas minhas vísceras. A terra na areia. A terra nos meus ossos. A terra nas rochas. A terra nos meus sentidos. A terra nas árvores.

Eu sou o Ar. O ar não é meu.

O ar nos meus pulmões. O ar no vento. O ar no meu sangue. O ar nas grutas. O ar na minha garganta. O ar no corpo do violão.

Eu sou o Fogo. O fogo não é meu.

O fogo nos meus músculos. O fogo nas fogueiras dos campos. O fogo em movimento nas minhas células. O fogo no lume das casas. O fogo na minha pele. O fogo no ventre dos vulcões.

Eu sou a Água. A água não é minha.

A água no meu cérebro. A água nos rios. A água nas minhas lágrimas. A água na chuva. A água no meu suor. A água no pântano.

Eu sou a vida. A vida não é minha.

E não é tua. E não é dele, nem tampouco é dela.

Porque todos somos terra, fogo, ar e água. E o sopro da vida nos anima, e caminhamos por hora neste planeta.

Todos somos Um.

Nasceu um pássaro na alma

Dias para silenciar o mundo fora da janela. Dias para fazer nascer pássaros no peito. Dias para lembrar de que somos feitos… de vento, de brisa, de sol, de sal, de chuva e de orvalho. Das coisas efémeras do mundo. E das coisas eternas também, do pó das estrelas, do amor e da saudade. Às vezes, vinha a mão apertar-nos o peito. E então, vínhamos cá fora ver as flores, sentir a terra, respirar o mar. Dávamos as mãos devagarinho e amavamo-nos pela noite ensonada. Continua a ser verdade este amor, este compromisso que nos leva parte de nós e nos devolve ainda mais, partidos de nos querermos tanto; inteiros no horizonte comum.
Nasceu-nos hoje um pássaro no peito. Mesmo na despedida. Pousou na janela e disse adeus. Com o medo no bico e coragem nas asas. Até depois, companheiros.

Tudo (mesmo tudo) Passa

Longos contam os dias em que não escrevo. As palavras caem na alma, sem que a tinta as assente no papel ou a impressão as prenda ao ecrã. Estes foram tempos que se desenrolaram devagarinho, mas numa sucessão de pequenos grandes acontecimentos, sem dar tempo para respirar ou pensar.

Agora, que o extraordinário veio morar cá dentro, desalojando o emergente, o inadiável e o imprescindível, parecia que haveria tempo para contar as estórias. Na verdade, precisei de tomar as rédeas àquela velha amiga que prende os peixes no aquário, num abraço sufocante à volta do coração. A ansiedade e o medo segredam ao ouvido de todos e eu tinha já o desábito de a domar. Foi necessário tomar-lhe o pulso, desmontar o medo com paciência búdica, com carinho e desvelo. Dizer-lhe que o amanhã em destroços não aconteceu todavia; foi apenas a sua verborreia assustada que criou o mundo em ruínas e, em verdade, olhando a janela, os passarinhos cantavam ainda e o sol nascia e morria nos lugares de sempre. E cá dentro, o coração batia. Passei a mão no rosto quente e disse ao Medo para falar baixinho, os sentidos em alerta estavam melindrados com os seus gritos. Ah, o medo, a ansiedade, do que ainda não foi, não é e não se sabe se poderá ser.

É preciso falar em intimidade com o que vai cá dentro num espaço seguro. Ir lá fora, abrir uma janela ou sentar no chão nu e frio. Tornar evidente a realidade tranquila que ainda existe, não obstante a narrativa ansiosa que contamos a nós mesmos incessantemente. O que nos conta o mundo desde os primórdios? Tudo é passageiro. Tudo passa. Nada morre, apenas tem a oportunidade de evoluir.

É preciso movermo-nos na esfera dos nossos possíveis. Fazer o melhor, no tempo e com as ferramentas que temos, a cada instante. O que resta, afinal, não está ao alcance do nosso braço. Caminhar no presente. Contar a estória à medida que esta acontece, sem futurismos de desastre. Ouvir pouco, apenas o que é sensato. Apreciar o que é bom porque – há sempre algo bom em tudo – o silêncio, a frescura do ar, o trinado dos pássaros. Já reparaste como tudo abrandou de repente? Se não cuidas das estórias que contas a ti próprio, pensa que agora tens mais tempo para ouvi-las.

Tudo passa. Vai tudo ficar bem. Mesmo o que terá de partir. Mesmo que fica e tem de viver.

Resume a tentar ser o mestre que senta na proa do barco durante a tempestade.

E de repente, o sol dissipará qualquer nuvem.

Dar à luz uma Estrela

Eras pequenino, talvez 3, 4 anos e eu sonhei… Cabelos em caracóis de caramelo, sedosos e aveludados como o creme guloso do sorvete de verão. Era uma praia deserta, tudo iluminado e fresco, ao fim da tarde ou no início da manhã. Éramos nós em doces corridas pela areia. Éramos nós de mãos dadas, vestidos de branco, de espuma salgada e de areia molhada. Éramos nós como um prenúncio de eternidade, de um amor infinito como o mar.
Eras tu a fazer castelos na areia, com o sorriso a escapar no canto da boca, um pouco travesso, um pouco tímido. Era eu grande, ou pelo menos maior do que tu em tamanho físico, um espectro atrás de ti ou ao teu lado como uma sombra, ansiosa e temerosa pelos teus passos incertos. Amava-te de supetão, amava-te como alguém com medo, seguia-te para todo lado, gravitando incessante em teu redor.
Sabia-te maior do que eu em Tudo. Tu que eras enorme e me amavas a mim, imperfeita e vacilante. Sentia-me esmagada por me teres escolhido, eu, feia mariposa e tu, dragão de fogo voador.
Eras tu, sem que eu soubesse quem eras Tu, ou quem era este Nós que viríamos nascer, faz hoje 2 anos na Terra.
Mas sabia-te desde logo um anjo, que viria em resgates mútuos da Grande Roda da Vida. Resgatar-nos-íamos aos dois, no bote salva-vidas que é o Amor.
E vieste, finalmente, tão precoce anunciado como o Maior que estava porvir.
Vieste, e agora, bebemos sôfregos o fôlego um do outro. É música quando esboças qualquer movimento e eu pressinto a luz e o vento a dançarem no teu gesto. É doce o teu beijo, é melodia perfeita o teu riso. E eu sou tão feliz e tão grata por te ter, por te amar, por te dar a mão e caminhar Contigo. Sou feliz porque existes, e não és meu, eu não sou tua, e, no entanto, estaremos juntos para sempre.

Meu filho, de há dois anos, de sempre, para sempre. Amo-te meu Leão.

O caminho do meio

Vê: há sempre um outro caminho. Um que não seja tão sinuoso, ou tão direito.

Escolhe: foge das margens e navega ao centro, contornando as pedras com gentileza.

Arrisca um pouco – mas não te abandones no nada nem abraces o tudo.

Eu sei: é difícil, extraordinariamente difícil.

Por vezes, tantas vezes, é a confusão que te faz disparar em todas as direções.

Porque queres passar incólume e, acima de tudo, não ferir ninguém.

Mas como caminhar sem pegadas, como permanecer ao sol sem fazer sombra?

Viver é ferir e ser ferido, é tocar e deixar marca, umas passam breve, outras são longas.

É assim. A sabedoria está em persistir, aceitar, deixar fluir e escolher, aqui e ali, o caminho do meio…

Mergulho profundo

Vezes sem conta escrevi sobre o que há de nós dentro da casca, o que nos anima, afinal, a matéria de que somos feitos. Só que não é matéria, é energia pura, é um fragmento do pó das estrelas, um infinitésimo do Tempo e do Espaço primordiais.

Longos são os dias de dor, de raiva, de felicidade, de paixão ou de graça.

Larga banda de pensamento, orientada para tudo o que move no espaço, pequeno ou grande, longo ou curto, som ou ruído.

Mas é isto que somos, é isto que nos cola a alma à existência? Eu não sou o que sinto. Eu sou um palco maior, do qual só vislumbro o que a minha vista alcança, daqui, deste cantinho escuro que sou eu, cheio de sombra e de dúvida. Eu sou o Palco Maior onde tudo acontece, mas nada permanece, o palco vazio e silencioso, como um deserto frio sob o luar. Se pudesse sentir o palco aqui dentro, a sua imensidão, a serenidade apoderar-se-ia desta mente inquieta. E aí, começaria a paz das coisas que, apenas, o são. Nesta consciência maior, é como ter a grande abóbada celeste sobre as cabeças, o infinito cintilante pairando no Alto, a certeza de se estar no lugar certo, no tempo certo, de que tudo está bem no Universo.
É este mergulho que tem de ser feito. Mergulhar na rocha profunda, passando as camadas de sedimentos, pensamentos e sentimentos como formigas, como zumbido permanente de mil pássaros. Mergulhar fundo, deixando para trás o que pesa, o que dói, o insuportável e o inesquecível. Chegar ao magma quente da terra, à agua cálida do útero materno. Regressar à origem, onde somos quietude e paz, onde a morte é apenas uma passagem e o eterno somos nós. Aqui, só Amor existe, sem laços nem saudade. Aqui não há fronteiras, não há diferenças entre o o Eu e o Tu. Somos Nós. Somos deuses e regressámos, finalmente, a Casa.